quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

O Grito


Ele corre de um lugar ao outro. Aflito. Seu gestual é ansioso, ele quer gritar e não consegue. 

Sua voz não sai da garganta e isso o incomoda, mas desde quando ele era criança era assim. 
Seus semelhantes mais velhos conseguiram, em alguma parte da vida, tirar a sua voz. 
Ele cresceu assim, com vontade de gritar mas não conseguia e então ele se acostumou com isso. 
Acatava quase tudo o que lhe diziam e isso começou a se tornar normal. 

Gritar ou falar aquilo que devia se tornou algo desrespeitoso. Não podemos afrontar ou gritar com os mais velhos. Precisamos respeitá-los. 
Gritar sozinho era sinônimo de loucura. 
Você não sente dor, porque gritar? 

A dor nem sempre é na carne. É na alma. Algumas pessoas te esbofeteiam sem levantar as mãos. 
Arrancam pedaços da sua alma e nunca mais devolvem. 

Gritar seria uma saída. Desesperadora? Não sei.. mas pode ser uma saída. 

É por isso que ele corre.. de um lugar ao outro, aflito e com ansiedade. Está chegando a hora de gritar. 
Ele aprendeu, só está esperando o momento certo. 

E como de costume, o roubam mais uma vez. Não o consideram. O fazem de otário. mais uma vez. 

A hora de GRITAR chegou. 

Ele grita... em volume alto.. pra todo mundo escutar. 

Depois de tantos anos.... chegou a hora... mas as pessoas não reconhecem sua voz.  O grito foi no vácuo e ninguém escutou nada. 

Nem o eco o considerou. Vazio, nulo..sem efeito. 

Como em um sonho.. que logo se disipa. Foi assim seu grito. 

Um chamado sem resposta. 



terça-feira, 24 de novembro de 2015

O Tempo

O tempo para... tic.. tac.. tic..
O tempo é espetacular... ele consegue fazer coisas que nós humanos não conseguimos. Ele envelhece o corpo e purifica a alma.
O relógio parado na parede mostra que algo estranho aconteceu. Jamais isso tinha acontecido antes. 
Ele se olha no espelho. Com seu terno preferido, preto. Faz frio.
O aroma do ar é de eucalipto fresco. Ele olha pela janela e vê as folhas de eucalipto aos montes no chão. O vento sopra e brinca com as folhas em uma leve sincronia.

Tem horas que o tempo insiste em parar. 
Tem horas que a purificação tem que ser mais intensa. 
Seu coração que antes batia acelerado para de bater.. .mas ele continua vivo.. não está morto.
Abre a porta de madeira que faz um leve barulho... e percebe que o Sol parou de nascer. Continua no horizonte... imóvel. 
Tudo que remete ao tempo esta parado. Congelado. 
Percebe que o tempo o controla. Como uma agenda humana cheia de compromissos. 
O tempo é seu rei e não sabe lidar com isso.
Não se lembra do passado e não tenta enxergar o futuro. Está preso no presente. 
Como um prisioneiro de si mesmo, não sabe quando aquilo vai acabar. Mas é tranquilo. Não se angustia. Pela primeira vez consegue viver sem que o tempo o domine.
Ao longe, pela janela, observa ela vindo em sua direção. Descalça com os pés lindos e nus sobre a grama. 
Ele nunca a viu mas já o encanta. Ele nunca se quer trocou uma palavra.. mas já é o bastante só observá-la.
O frio não a intimida. Continua caminhando em direção a ele. 
Ele esboça um leve sorriso.. Ela não. 
Ele dentro de casa a observando pela janela.. ela fora. 
Esta a menos de um metro da janela que os separam. 
Se encaram.. como um reflexo no espelho. Se olham.. sem piscar. 
Olho no olho.. não sentem o cheiro um do outro. Apenas se olham.
TAC. 
Ela desaparece, seu coração começa a bater e o sol volta a subir no horizonte. 
Percebe que o tempo não para. 
Percebe que as oportunidades são únicas. 
Percebe que um só toque poderia mudar sua vida. 

Algo aconteceu naquela manha. 
Algo que jamais se repetirá.

São em pequenos momentos que se fazem grandes histórias. 


sábado, 23 de maio de 2015

Despedida

A noite fria é quase insuportável. O frio invade a casa.
Escuta uma música longe. Tenta decifrar qual é. Não é o momento certo para músicas.
Ela toda arrumada, sentada em sua cama espera pelo carro chegar. As lagrimas escorrem de seu rosto. Não pode chorar, tem que ser forte.
Pensa em tudo que viveu até aquele momento. Olha no espelho e se vê.  Angelical. Tão bonita para um momento como aquele? Sim. É necessário. Vestido longo de manga longa. Sandália. Lindos pés.
O carro chega...  ela desce as escadas e olha pra casa onde sempre morou. Acabou. Ali não é mais seu lugar.
Ela entra no carro. Séria. Nervosa. Jamais pensou que passaria por tal situação. Mas está ali, passando por tudo aquilo. Quase inacreditável.
O carro percorre as ruas vazias. Da janela ela nota um homem de rua fazendo sua refeição em um prato descartável, satisfeito e feliz.
O semáforo fica verde e o carro percorre.
Nesse momento se lembra de quando era criança. De suas brincadeiras infantis. Lembra-se também de suas amigas, meninas amigas. Onde será que estão? Faz-se essa pergunta.
Lembra-se do dia em que caiu de bicicleta e quebrou o pé. A dor. O choro. O amparo. Olha para seus pés e os vê. Lindos. Em uma sandália.
O pai dela a espera para dar força a esse momento tão emocionante. Lembra-se do pai e chora. Não pode. Tem que ser forte.
O carro para. Ela pede a Deus força e sai. Seu pai a espera.
Ele segura em suas mãos suadas, nervosas. A beija na testa.
Está preparada filha?
Acena com a cabeça que sim. Seu rosto se ilumina e sorri. Sorri como nunca sorriu antes.
As portas se abrem. As pessoas que a esperam, levantam-se. Luzes, flores e Deus, ali, representado na cruz.
Agora é a hora da música. A pequena orquestra toca e ela entra triunfante.  Emocionada. De mãos dadas com seu pai. Lindo pai.
Olha pra frente e vê o homem da sua vida que em breve falará pouco, mas falará aquilo que ela sempre quis escutar. O SIM.
Ela está linda, ele também. O pai a entrega para o noivo, futuro marido, instantes separam esse momento.
Firme e convicta diz seu SIM e também escuta um SIM em retribuição ao seu amor.
Ela sabe que nunca mais sua vida será a mesma.
Não olha pra trás. Segue em frente e se despede de tudo aquilo que ficou no passado. Presente e futuro. É isso que importa.
Dessa vez não tem sonho. É realidade.
Dessa vez não tem morte, é vida.

Desta vez não tem tristeza. É só felicidade. 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Intocável

Em meu sonho.. olho o vaso chinês... imaculado lindo... rico em detalhes.

Mas não consigo tocá-lo... como se andasse parado.. com se parado, caminhasse.

Quanto mais ando, mais distante...

Os braços esticado para alcançar.. mas são curtos.. pequenos..

Se tivesse vida ele olharia pra mim.. sério... sem esboçar um sorriso. Inerte.
Talvez sorrisse por dentro por minha infantil ousadia...
Mesmo no calor... sentia frio...
O grito que não sai da garganta...
E as lagrimas que não existem mais...
Calo em mim mesmo...
E vejo que cabe a mim.. somente olhar.

domingo, 12 de abril de 2015

Destinos

Ele desperta assustado, o tremor é grande, assim como o frio que o cerca. Percebe que as pessoas estão agitadas e com medo. Vestido com sua camisa favorita e banhado com seu perfume ele olha ao redor.

Senhores passageiros apertem os cintos, é o que ele escuta.

Sacodidas violentas na estrutura do avião. Ele não se comove, já passou por isso diversas vezes. O momento não passa e segundo se tornam horas em situações como essa.

Passou, os rostos aliviados mostram que os segundo que se tornaram horas ficou no passado.

Está quase na hora do pouso, uma escala no centro do país faz com que a grande águia se incline para baixo.
Procedimentos são tomados.. o cinto mais uma vez afivelado. E a queda controlada por bits de computador começa acontecer.

A pista já pode ser vista, as luzes azuis sobre ela, indicam o caminho. Ele queria ter luzes azuis para indicar o caminho correto de algumas situações da vida.

Os pneus tocam a pista, e os portões de embarque podem ser vistos.

Ele relaxa, solta os cintos e vai lavar o rosto no banheiro. O frio é enorme, o ar condicionado está mil.

Entra no banheiro, olha no espelho e se reconhece. Ultimamente ele olha mais pra si mesmo do que pra outra pessoa. Lava o rosto e sai. Os passageiros da central do Brasil estão entrando. Alguns já embarcaram. Ele se dirige ao seu lugar. Poltrona 23A.

Quando chega ao seu lugar ele encontra alguém que antes não estava lá. Cabelos pretos, olhos expressivos, pele branca e um cheiro impar, jamais sentido antes.
Ele a observa. Sente seu cheiro, mesmo de longe, mas sente.

Sente ainda mais frio, só que esse um frio diferente.. Um frio na barriga, um frio no estômago.

Ele pede licença para sentar e ela olha nos olhos dele, sorri e revela um sorriso metálico. Uma obra de arte.

Os procedimentos começam, a grande águia mais uma vez vai tomar seu caminho. Corre como um leopardo na savana e todos sentem que o chão não o sustenta mais. Começa a grande viagem. Agora sem escalas.

Ela do lado dele, ele do lado dela. Ela não olha pra nada. Mas oferece sua mão a ele. Ele segura e não acredita no que está acontecendo. Finalmente eles se encontram. As mãos geladas e úmidas são unidas. Eles sabem que esse momento é único. Jamais acontecerá de novo.

33 mil pés de altitude, um sonho nas alturas acontece. Ele a beija e ela sente seu sabor pela primeira vez. Ele respira ofegantemente. Ela também.

Acaricia seu rosto.

Os destinos seriam os mesmos?

Nunca se saberá.

A águia se transforma em uma bola de fogo. Os destinos para muitos foram o mesmo. Mas não para eles.

Unidos com suas mãos. São encontrados.

Acabou o sonho. O destino não foi generoso com eles.

terça-feira, 31 de março de 2015

Reencontro

Ele abre os olhos. Ouve o som da água  do rio que corre a poucos metros de distancia. Sente o cheiro da fumaça, de lenha no fogão. A pouca claridade do Sol toma seu corpo. Toma seu espírito. O dia chegou, é hoje.
Levanta-se lentamente, curva a cabeça e pede pra que não sinta dor. Medita mais uma vez. Respira fundo e se levanta. Alguém o espera.
Caminha poucos metros. Seu espaço é pequeno e logo se depara com quem o esperava.
Se encaram, por minutos se olham, sentimento frio sem nenhuma emoção.  Finalmente se encontram, depois de muito, muito tempo.
São iguais. Idênticos. Mesma altura, mesma pele, mesmo cheiro.
É o dia do acerto de contas, consigo mesmo.
Frente a frente com ele mesmo é hora de avaliar as coisas que fez durante toda a vida. Não é uma tarefa fácil.
Não existe mais ninguém, só os dois e um ou um em dois.
Começam a despir-se de alma. Não tem como mentir. Impossível mentir pra sí mesmo.
O reencontro é assim, por vezes você se perde em sim mesmo, não sabes por onde andas ou quem se tornou.
Vontades recolhidas, pensamentos reprimidos, mas o eu verdadeiro está ali.
O reencontro é emocionante. Um vê no outro o que realmente teriam que ser.
Um deles cai ao chão,a matéria, a carne.. O outro o olha. Sente frio e medo.
Tudo acaba ali, riquezas, angustias e dores...
Inveja, cobiça e valores.
Tudo se perdeu nada se levou.
Despido de tudo que um dia o cobriu. Assim como veio ao mundo.. sem nada. Nú
Olha ao redor.. a água do rio não corre mais.. esta parada em sua correnteza.
 O fogo que não consome. Só ilumina. O fogo que não aquece.
O tempo para. Os sentidos somem. A matéria no chão e a alma que vaga. Vaga sem direção
O incompreensível acontece.
É hora de partir.

Acabou. 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O Homem do Barco

Existia um lago em um lugar chamado Lago Sagrado, nome este que foi dado justamente por causa do lago que ali existia.
Neste lago existia um homem e um barco, ambos pertenciam um ao outro. Este homem navegava todos os dias no lago sagrado vigiando suas margens para que ninguém degradasse o lago, poluindo ou tirando dele os peixes, peixes os quais em outrora foram abundantes mas não ultimamente.
O lago não tinha nada, nem vida nem morte, só água que o encobria.
O Homem do Barco era rude com aqueles que ousassem jogar ali, qualquer coisa que poluísse o lago.
Certo dia um outro homem se aproximou do lago, colocou sua roupa de mergulho e assim que foi mergulhar foi instantaneamente vetado pelo homem do barco. Surpreso o homem mergulhador questionou qual era o motivo que tinha feito o homem do barco a vetar tal atitude, mesmo porque esta não ia poluir nada o lago. Desconsolado o homem mergulhador apanhou seus pertences e foi embora.
"Por Deus, jamais deixarei que alguém se aproxime deste lago, somente descobrirão o que tem aqui dentro, quando Ele mesmo.. o próprio Deus assim permitir"
E Deus permitiu....
Quando o Homem do Barco acordou em seu barco no outro dia... a água havia desaparecido e o mistério se revelou...
O lixo do  Homem do Barco dominava todo o leito do lago... gigante era sua quantidade,  por isso a morte dos peixes e o cuidado com as outras pessoas... Para que não descobrissem seu lixo, evitava a aproximação de outras pessoas...
Talvez tenha pensado que nunca a água desapareceria...
Talvez tenha confiado muito em si mesmo
Se esqueceu que seu governo acabou no momento que foi revelado.
Como um rei que perde o trono não por um mau governo, mas por não divulgar a verdade.