quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Fantasias em Preto e Branco


O gato corre e atravessa a rua após ouvir os passos arrastados daquele homem que vaga pela noite.
Os passos são lentos, um após o outro ele os dá tentando chegar a mais um objetivo.
Assim que ele chega à frente da casa ele para, olha e decide se deve acordar alguém que ainda deve morar naquele lar. Tenta escutar se existe alguém acordado. Olha pelo portão de ferro, baixo, com formato colonial, um tanto enferrujado pela chuva e o sol.  Apenas vê a janela da frente, uma janela de vidro, quatro vidros, e um deles trincado. Por trás deste, uma cortina. Uma cortina vermelha e branca, xadrez, branca e vermelha.
Ao fundo, uma pequena luz, amarela, fraca, mas ali existe uma luz. Resolve então bater a porta. Porta de madeira, tinta desgastada, mas de uma forte madeira.
Quando ia bater, a luz se acende, a porta se abre e ela aparece. Sem perguntar nada o deixa entrar.
O assoalho de madeira no chão faz barulho com seus passos, passos lentos, um após outro.
Ela senta-se a mesa e puxa uma cadeira, o convidando para que faça o mesmo.
Ele também senta-se, e ainda sem trocarem uma palavra, se olham.
Ele jamais esqueceria esses olhos, e nem ela os dele. Ambos marcantes. Encaram-se por minutos a fio.
Ela levanta-se, pega uma pequena panela na geladeira, não está vazia, nem cheia. A luz da geladeira clareia um pouco mais os móveis. Desta vez não tem mesas feitas por ambos.
Ela pergunta se ele está com fome, que acena levemente com a cabeça dizendo que sim. Ela com seus passos, não tão lentos, leva a refeição ao fogo para esquentar.
Ele continua sentado, cabisbaixo, culpado. Culpado de um crime sem sentença. Espera que a refeição fique pronta e a observa por trás. Percebe o quanto ela mudou e não tinha se dado conta.
Ela vira-se e com um pequeno sorriso comprova o que ele estava a meditar. Ela ainda o ama? Sim, jamais deixaria de amá-lo.
Ele a ama, com tanta intensidade que dói. Dói tanto que seu crime sem sentença fica ainda mais impossível de se sentenciar.
Anos raros que não voltam mais, se passam na imaginação dele. Como teria sido esses mesmos anos pra ela?
Ela alcança o prato e ele come. Cabisbaixo e culpado, mas come.
Ela levanta, aproxima-se dele e afaga os poucos cabelos brancos de sua cabeça. As lágrimas escorrem dos olhos dele que em seu interior quer congelar aquele momento. Um pequeno gesto que vale por uma vida inteira. Ele afasta o prato, vazio e chora. Ela encosta a cabeça dele sobre seus seios e faz carinho.
Na mente dele se passa um filme, dos momentos felizes, dos infelizes. E ele só que eternizar esse momento.
Eles se afastam, e os olhos dela, marcantes e azuis, olham para os dele, não tão belos.
Ela o ama, foram os primeiros olhos que viram os dela. Ele a viu nascer.
Beijam-se no rosto. Abraçam-se e ele se afasta com seus passos lentos. A porta se abre, o assoalho para de ranger e o portão enferrujado faz um barulho que ecoa nas casas vizinhas. Eles se olham, não sabem se é pela última vez.
E antes de ele dobrar a esquina, ela diz em alta voz:
Te amo pai.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

A viagem - Introdução


A chuva desce do telhado fazendo um som único que só pode ser ouvido no outono.  O Sol não está presente, ainda é cedo demais para que ele desperte.
O coração bate forte, a respiração é profunda e de repente acorda. Acorda de um sonho que não era bom. Por sua sorte era um sonho que se acabou como quando acaba a escuridão quando a luz invade um ambiente.
Mas a escuridão perdura, não se dissipa. Acordado, não reconhece os objetos a sua volta. Está escuro e frio. Sozinho na escuridão, não sabe muito bem o que pensar. Tudo aquilo que está ali, ele não queria que estivesse. Sua timidez, seus medos, suas angustias. Prefere ficar no escuro, porque dessa forma não é capaz de se enxergar, de se analisar no espelho.
O escuro é o único lugar que o acolhe, que o abraça. Dessa forma consegue escutar a si mesmo, mesmo sem dizer uma palavra. Ele não gosta da vida, não gosta como a vida o trata. Senta-se na cama e apalpa em cima de sua cômoda um pequeno vidro. O abre e coloca todo seu conteúdo nas mãos. É o seu passaporte.
De uma só vez, engole todos os 10 comprimidos, e como em um aeroporto, senta-se e espera que sua viajem comece.

Continua...