quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Safiras


A festa se foi. As plumas dos carros alegóricos e os confetes ainda podem ser encontrados jogados na rua. Não faz frio nem calor, o tempo é ameno e agradável.

Ele anda de um lugar para o outro. Ansioso esperando a cada “tic tac” do relógio. São 10 horas da manha. Dirige-se a geladeira e a abre, dessa vez ela esta desligada e vazia. Ele olha para os objetos e nesse momento os enxerga com clareza, sem silhuetas.

O dia é claro e o que restou foram pouquíssimos objetos pela casa. A prateleira de livros está vazia, tudo está vazio e o cheiro da tinta nova ainda pode ser sentido pelo ar.

A prateleira de livros está vazia, tudo está vazio.

Sentado em seu escritório que trabalhou por muitos anos, ali mesmo, em sua casa. Ele observa cada detalhe de sua mesa de trabalho, mesa que um dia juntou a família e reuniu amigos. Olha pro gaveteiro. Tudo aquilo é muito especial, ele e seu querido irmão que fizeram aqueles móveis.

O interfone toca, ele observa pela janela e se depara com um par de olhos azuis. Eles os encaram. Lindos olhos azuis. Os dois sorriem.

Ela entra, sorri novamente e o abraça. Os dois trocam alguns carinhos e ela diz que o ama, ele retribui com um beijo na testa e também diz que a ama.

Ele passa pra ela algumas instruções de como vai ser o dia. Ela por alguns minutos se entristece, se sente insegura. Ele também se entristece, mas logo devolve palavras de segurança, palavras de ânimo.

Andam pela casa vazia e se olham por vários minutos, minutos que serão eternizados na memória de cada um.

Um carro chega e os dois escutam o tocar da buzina, um toque rápido e sutil.

Ele rapidamente apanha algumas coisas nas mãos, algumas malas e leva até o carro, acomoda tudo dentro do porta malas, volta, segura na mão dela e com a outra mão tranca a ultima vez a casa.

Entram no carro e se acomodam no banco de trás, na frente um casal, pessoas mais que especiais, mas dessa vez não farão móveis juntos.

Trocam olhares e não falam nada.

O motor do carro é ligado e algumas pessoas estão na janela dando sinal de adeus com as mãos, eles retribuem timidamente, não é um dia muito feliz.

Ele olha para a casa que tantos anos morou e se despede do bairro que nasceu. A ansiedade é geral.

O caminho parece ser três vezes maior, não chega nunca. Dirige, dirige e dirige. Finalmente chegam ao devido lugar.

Aviões cruzam o céu, uns pousando, outros decolando. Eles desembarcam com as malas e o casal estaciona o carro.

O par de olhos azuis o olha com segurança, fixamente. Eles entram no saguão, fazem o check-in e despacham as malas. A única coisa que resta agora é esperar a hora do vôo. O tempo passa e todos se levantam e vão para o portão de embarque. Os olhos azuis começam a lacrimejar e depois chorar compulsivamente.

Ele abraça o casal em um longo abraço de saudade. Todos choram.

Ele se abaixa, olha dentro dos olhos azuis e diz:

Tenha calma filha, viajar de avião é muito bom, não tenha medo, estaremos juntos.

Ele segura nas pequeninas mãos de sua filha e da adeus para o casal e ela faz o mesmo.

Ele canta um pequeno trecho da música “Chão de Giz” de Zé Ramalho; “No mais estou indo embora, no mais estou indo embora”, olham mais uma vez para o casal, viram as costas e caminham, sem olhar para trás e somem no portão de embarque, na esperança de que uma nova vida os receba de braços abertos.